Crítica: Tudo é rio


Com texto apaixonante e redondo, primeiro livro de Carla Madeira mostra como fraquezas e fortalezas dos personagens se fundem e montam mosaico de personalidades complexas. Foto: Divulgação.

Por Drica Mendes*  

O primeiro trabalho, originalmente publicado em 2014, da mineira Carla Madeira é quase “irritante” quanto à qualidade da escrita e da entrega madura da narrativa, vestida com simplicidade, mas transbordante de elegância, vivacidade e lirismo. A escritora gaúcha Martha Medeiros, que assina a apresentação da edição mais recente do livro, de 2021 (Ed. Record) dispara: “Carla dá até raiva na gente. Como assim, um livro de estreia tão potente, tão perfeito, tão pronto?”. De fato, é surpreendente que Tudo é Rio seja apenas o primeiro livro da autora. Seu texto é tão redondo e apaixonante, que é difícil largar o livro depois de abri-lo para lê-lo. 

A opção do cenário impreciso em um período do tempo não determinado dá à trama, que traz elementos simples de narrativa, aspectos universais. Com alguns clichês, usados de forma brilhante (O clichê só é clichê porque funciona! E quando conduzido com maestria, serve ao leitor como um guia confiável e poderoso), Carla nos conta os desdobramentos dos encontros e desencontros de um triângulo amoroso, protagonizado pelo casal Dalva e Venâncio, e Lucy, uma bela prostituta cobiçada por toda a cidade, e que entra na vida do duo após uma tragédia familiar. 

Fraquezas e fortalezas dos personagens se fundem e montam um mosaico de personalidades complexas, que fogem do maniqueísmo, ainda que tendam a valorizar a humanidade de cada um. As formas diversas, quase opostas, de como cada um lida com suas dores e a maneira confluente que o desfecho da estória entrega são, junto com a beleza da prosa poética, a espinha dorsal dessa estória poderosa e sensível, ao mesmo tempo. 

A narrativa é construída por retratos de acontecimentos atuais entrecortados por flashbacks, que trazem ao leitor elementos que se mostram, ora motivos e explicações para o cenário descrito, ora mistérios a serem processados e que enriquecem a jornada da leitura. Mesmo que exista esse vai e vem na estrutura da estória, o texto flui tal qual o rio do título, ao trazer questionamentos sobre o perdão, a vida, o amor e a dor. A humanidade transborda nas palavras de Carla, que já anuncia essa simbiose de vida e fluxo da natureza na abertura da obra: “Ela me perguntou o quanto eu a amarava. Reuni em vidro todos os humores vertidos: sangue, sêmen, lágrimas. Amo você tantos rios”. 

*Drica Mendes é brasiliense, escorpiana, jornalista de formação, traça de livros, cinéfila de plantão e fã de gatos. Nas horas vagas faz tricô, crochê e costura. Escreve mensalmente no Cultura Sem Censura.